Jamison Pedra
Costumava acompanhar, quando criança, o trabalho de artesãos, no Tento, na cidade de Valença, Bahia, onde nasceu. Ali se construíam barcos pesqueiros e para transporte pelo rio Una. Aqueles mestres do ofício da madeira foram as suas primeiras referências estruturais e estéticas. Mais tarde, voltaria a esses meios, trabalhando no desenho, na criação plástica e na escultura. Fazia frequentes viagens à capital e aproximava-se também do mar. Naqueles anos quarenta, as travessias cotidianas eram feitas em condições de desafio e aventura, quando, à fragilidade dos saveiros de alto mar não correspondiam as distâncias do percurso, entre a cidade costeira e o porto de Salvador. Em depoimentos, Jamison ainda assinala o efeito que lhe provocavam tais experiências. Após mudança definitiva da família para Salvador, Jamison Pedra recebeu educação formal, convencional, enquanto, paralelamente, interessava-se pelo aeromodelismo, tornando-se construtor de pequenos aviões, em madeira, e bonecos articulados.
Depois dos estudos preparatórios, habilitou-se aos níveis médio e avançado − cursados nas principais escolas públicas da cidade de Salvador (Colégio Estadual Severino Viera e Colégio Central da Bahia). Conviveu com os que fizeram a história de sua geração: os da Revista Mapa e os do Movimento de Cinema Novo na Bahia. Companheiro do gravador, Mestre Calasans Neto, do poeta e amigo Georgeocohama Archanjo e dos mentores intelectuais, Pedro Castro e Ubiratan Rebouças.
Frequentou o curso livre da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia e as classes de pintura e desenho do artista plástico alemão Adam Firnekaes. Cursou a Faculdade de Arquitetura, destacando-se nas técnicas de representação gráfica, perspectiva e croquis, que viria a ensinar, mais tarde, na mesma instituição. Como desenhista, deu a público a sua primeira mostra (Galeria Convivium, 1963), quando já finalizava o curso de Arquitetura.
Viajou em seguida à Europa (Praga, Alemanha, Holanda, Paris, Itália e Espanha), onde permaneceu algum tempo, visitando museus, fotografando, desenhando, suplementando a sua formação. De volta, reintegrou-se ao movimento da Galeria Bazarte, conduzido pelo galerista Castro. Amigo dos artistas, Castro acolhia-os inclusive sob o teto da sua Galeria Bazarte − conforme documenta o curta-metragem de Carlos Alberto Gaudenzi, (Kabá), parceiro, entre tantos − hoje artistas consolidados, daquela geração, Ekenberger, Edsoleda, Edson da Luz, Sônia Castro e Emanoel Araújo. Castro foi referência definitiva para todos os que respiravam as vocações das artes plásticas da década baiana de sessenta, em Salvador.
O universo de criação da pintura de Jamison Pedra dirige-nos à uma antiquíssima tradição que combinou arte e ciência: o trompe-l’oeil, a ilusão de ótica. Nesse seu mundo, reside uma herança que explorou efeitos ilusórios, de recursos de percepção visual, e criou um imaginário caracterizado pelo uso especializado da perspectiva, conforme se expressa o artista, quando fala da obra: ”no lugar de usar a linha para criar a perspectiva, utilizo a perspectiva,para criar a ilusão de volume, justamente apoiado notrompe-l’oeil” (PRAZERES, 2002).
Realidade pictórica que vem sendo construída há quase cinquenta anos − e que vem sendo proposta a público, em cada uma de suas mostras. Falando à mídia, o artista, sempre, mais ou menos, assim se pronuncia: “uso a ciência para criar arte. Tem que haver uma parte científica na arte, do contrário não existe avanço. Foi assim com os impressionistas, assim com a descoberta da perspectiva no Renascimento, e com a psicologia, no Surrealismo.” (PRAZERES, 2002).
Discretamente, o artista Jamison Pedra, rejeitou domiciliar-se no efeito, quase unânime, da opinião crítica, sobre a excelência do seu caminho como desenhista, sobre o qual se manifestou, o então vizinho, Jorge Amado: “Jamison experimenta e trabalha meterias diversos, e o faz sempre com resultados dignos de interesse, se bem eu ame acima de tudo seu desenho” (AMADO, 1996, p. 236).
Assim, mais analogicamente, do que de forma discursiva, a cidade de Salvador entra no seu mundo e o marca fundamente, através das marcas de hibridismo temático, fartura de movimentos e ritmo, largueza de campos, e cor, muita cor. São baianos, e são tomados do cotidiano da cidade, os elementos vivos, e os signos que, repentinamente, podem colher gestos de religiosidade; por isso, talvez, na recepção de sua obra, experimentemos uma espécie de sensação ritualística, como resultado da apreciação, da fruição, de suas composições de pintura. Seu ritmo particular, de quem sabe sobre tudo o que maneja, permite-lhe um grau de concentração, que é provocativo, e que, no espaço de criação, tudo faz com linha, cor, luz e sombra, na sintaxe de um trabalho, que em sua totalidade dialoga com quatro temas humanos: tempo, espaço, solidão e comunhão; mesmo que se experimente, como a poeta Myriam Fraga refere, o temor da voragem: “uma prática difícil,angustiada, tão detalhista na perfeição, ansiosamente buscada, que muitas vezes sentimos um certo susto, de vê-lo desistir pela impossibilidade de suportar tamanha tensão, tanto sofrimento.” (FRAGA,1984).
A nobreza dos temas que toma a si contém-se nos elementos ordinários do cotidiano da cidade em que habita. Duas fotos suas, oriundas de um período de trabalhos experimentais em fotografia, foram premiadas nacionalmente; uma delas traz, em primeiro plano, um remo, como se fora uma lança, de um anônimo pescador (Remador na Festa de Iemanjá, a outra imagem, apresenta recortes fragmentários de cartazes afixados, num muro urbano, de onde sobressai um passante, um idoso, solitário, pedestre. Passante. Esse aspecto de apropriação daquilo que o rodeia, essa ausência de hierarquia de materiais, que democratiza sua arte, foi anotada pelo crítico Reynivaldo Brito: “Nós jornalistas reportamos o que acontece, ou vai acontecer, dando pinceladas do nosso testemunho… Jamison se utiliza da notícia pronta como matéria prima para a sua própria arte.” (BRITO, 1983).
Ao revelar o que o rodeia, nada desprezando na composição de seu universo de inventor, a obra de Jamison Pedra está de acordo com a natureza e a função da arte. Propõe-nos o desafio de que vivamos em conexão com espaços de liberdade, e criemos um mundo dê passagem a uma distinta humanidade.
Cronologia
1963 – Galeria Bazarte. Salvador, Bahia. Desenhos.
1963 – Galeria Convivium. Salvador, Bahia. Pinturas.
1964 – Galeria USIS. Salvador, Bahia. Pinturas.
1965 – Museu de Arte Moderna da Bahia. Salvador, Bahia. Desenhos
1966 – Galeria Le Dome. Salvador, Bahia. Pinturas.
1970 – “Poesia-Desenho”. Desenhos sobre poesias de Miryam Fraga. Foyer do Teatro Castro Alves, Salvador, Bahia.
1972 – Galeria Círculo. Salvador, Bahia. Desenhos.
1972 – Galeria AMI. Belo Horizonte, Minas Gerais. Desenhos.
1972 – Galeria de Arte da Bahia. Salvador, Bahia. Pintura.
1973 – Galeria Círculo. Salvador, Bahia. Desenhos.
1973 – Galeria O Cavalete. Salvador, Bahia. Pinturas.
1976 – Galeria da Associação Cultural Brasil Estadas Unidos. Salvador, Bahia, Pinturas.
1979 – Galeria Teresa. Salvador, Bahia. Pinturas.
1981 – Galeria do Continuing Education. Toledo, OH, USA. Pinturas
1983 – Tangeman Gallery. University of Cincinnati, OH, USA. Pinturas.
1984 – Art Boulevard Galeria. Salvador, Bahia. Gravuras.
1985 – Escritório de Arte da Bahia. Salvador, Bahia. Pinturas.
1987- Escritório de Arte da Bahia. Salvador, Bahia. Pinturas.
1989 – Escritório de Arte da Bahia. Salvador, Bahia. Pinturas.
1991- Escritório de Arte da Bahia. Salvador, Bahia. Pinturas.
2000 – Escritório de Arte da Bahia. Salvador, Bahia. Pinturas.
1986 – Galeria Geraldo Rocha. Vitória da Conquista, Bahia. Pinturas.
1988 – Galeria Amniemeyer. Rio de Janeiro. Pinturas.
1993 – Galeria Prova do Artista. Projeto Arte Bahia. Salvador, Bahia. Pinturas.
1997 – “Arte e computador”. Galeria Prova do Artista. Salvador, Bahia. Gravuras.
2000 – Paulo Darzé Galeria de Arte. Salvador, Bahia. Pinturas.
2002 – Museu de Arte Moderna, ago. set. 2002, com exposição intitulada “Luz e sombra”.